segunda-feira, setembro 11, 2006

Jornada em nome do Rock

Indo pro Festival Calango


A viagem já iniciou como uma viagem. Saí de Macapá deixado no aeroporto por alguns amigos. Depois dormi no aeroporto de Belém até amanhecer porque o táxi de lá até a rodoviária é muito caro e eu sempre viajo com pouca grana. Amanheceu e tomei um bonde até a rodoviária (rs), foi lá que descobri que só ia sair pra Goiânia às 22:30 hs. Fui pra net pra ver se encontrava algum conhecido onde eu pudesse ficar, não é difícil, Belém é como se fosse uma Macapá grande. Culturalmente temos muitas semelhanças e é comum encontrar pessoas de Macapá que vão para lá estudar. Falei com uma amiga e ela disse que podia ficar na casa de outro amigo. Ufa!

À noite peguei o ônibus e rumei pra Goiânia, o ônibus estava quase vazio. Tinha no máximo cinco passageiros, mas foi legal. Não interagi com ninguém, mas fiquei olhando a paisagem, dormindo e olhando as estrelas nestas 32 horas de estrada. Tive alguns sonhos e pesadelos que eu não lembro, mas o pesadelo foi falta de oxigenação na parte esquerda inferior do cérebro (sabiam que pesadelo é falta de oxigenação no cérebro? rs). Nas paradas eu tirava um tempinho pra dar uma volta sozinho porque ninguém é de ferro e eu queria olhar melhor a paisagem.
Cheguei na rodoviária às seis da manhã e esperei até as nove para rumar para Cuiabá. O trecho foi tranqüilo, afinal de contas 15 horas não é nada para quem rodou 32. O bonde também estava meio vazio, só um pouco mais cheio e eu continuei ocupando duas cadeiras (rs). A diferença é que a paisagem mudou: ao invés de florestas vi latifúndios que pareciam não ter mais fim, passava horas olhando latifúndio até dormir, depois de acordar olhava pra janela e via mais latifúndio.


Em Cuiabá.


Cheguei em Cuiabá por volta das duas da madruga e perdi a maioria das bandas do primeiro dia (18). Foi uma pena não ter visto Johnny Suxxx ’n the Fucking boys (GO), Rockassetes (SE), Sinestesia (TO) e Enne (MG). Na verdade assisti só à Subtera (PR). Peso nervoso e deu pra ver que eles vão votar nulo. Acho que foi a única parte que deu pra entender do vocalista estilo Death Metal. Mas a recepção foi boa e a recepcionista também (rs). Logo de cara descobrimos que a lendária Cerveja Crystal era grátis (essa deu história rs). Como esperado, a galera dos bastidores e do hotel são super gente fina.

Conviver com o povo que só curte Rock é muito melhor. Na rodoviária, enquanto esperava o carro que vinha me buscar, conheci a galera da banda Pelebroi Não Sei (PR). Os caras são gente boa e me deram um CD, o terceiro, intitulado Aos Farsantes com carinho. Avistei o pessoal do Madame Saatan (PA) e do Ludovic (SP), que esperava muito conhecer. Na verdade me interessei por eles quando li uma matéria aqui no Overmundo descrevendo um show da banda, acompanhe em O Espaço do Baixo e Vil.

Logo de cara pude ver que a qualidade do festival estava muito boa. A galera do cenário do rock Nacional tanto das bandas como da produção e comunicação está marcando presença. Acredito que a maioria levou material.


Sábado (19)


À tarde, rolou um churrasco underground no hotel. A coleta foi de R$ 5,00, mas valeu a pena. Organização duríssima da figura mais conhecida como "Professor". Foi tudo muito regado com gentis doses de originalidade e gente boa, só figura. Tive a oportunidade de bater um papo com o pessoal do Ludovic (é, eu curto mesmo!). Os caras são tão massa quanto o som deles e o baterista é uma figura elétrica que não pára nunca rs. Pena que no final da tarde tive que ir pro Calango na Mesa. Um grupo de discussão importantíssimo que visa a parte séria da coisa. A idéia é criar um portal integrado que mapeie a produção das regiões Fora do Eixo Rio-São Paulo para que essa produção escoe em festivais e pela internet. Engraçado porque foi a primeira vez que falei com o Pablo Capilé, ele viu que estava meio enrolado na estrada e pensava que estava perdido até aquela hora em algum lugar do Brasil rs.

À noite, a arena onde as bandas se apresentaram bombou. A banda Mezatrio (AM) fez uma apresentação empolgante. É incrível ver a evolução do rock na Amazônia. E por falar em rock na Amazônia, não poderia deixar de destacar Los Porongas (AC). O som deles é muito louco. É uma banda de qualidade e as letras são muito boas. Chegam a ser emocionantes. Aplauso para os caras que vieram do Acre e arrebentaram e a banda deles tá virando. Tive o maior prazer de ir lá bater um papo com eles e falar que é isso mesmo que temos que fazer: mandar ver no nosso som sem se preocupar com a distância do Eixo. O legal é que eles também sabem disso.

Meus amigos da banda Pelebroi Não Sei (PR) mostraram que não são apenas figuras legais. Eles tocam muito e são muito performáticos no palco. Um punk rock muito firme. Em seguida teve a apresentação de Macaco Bong (MT), uma ótima banda. É instrumental que tem o baixista (Ney), o guitarrista (kayapy) e o bateirista (Ynaiã) arrebentando. Os caras não brincam de tocar não, ou tocam tanto que parecem brincadeira (rs).
Depois deles foi a apresentação de Ludovic(SP). Putz, pirei. A banda tocou algumas músicas do novo disco que acabou de ser rodado. Ele se chama Idioma Morto e, segundo o vocalista Jair Neves, é melhor do que o primeiro disco, Servil. Ainda bem que ele não quebrou nada no palco, mas fez uma lambança infernal que assustou a todos. O Beto da Revista Decibélica não acreditou que aquele jovem pacato do hotel era o mesmo que estava virando bicho no palco.

A performance de Vanguart (MT) foi firme. Mostrou ter muito talento e personalidade. Gostei muito e o público mato-grossense deu um toque especial para os jovens que ainda vão longe.

A noite foi fechada com estilo. Pernambuco mostrou que continua produzindo música de qualidade. A banda Astronautas mandou um som de responsa e mereceu todos os aplausos possíveis. Os caras estavam vestidos de astronautas enquanto cantam "eu posso apagar a bomba atômica com meu controle remoto", empolgante e a proposta é muito interessante. Os efeitos não negam uma tendência nacional que é de se aproximar mais dos sintetizadores e distorções.

A noite de sábado foi muito gratificante. Comecei a constatar que estava valendo a pena ter viajado tanto. Fiz alguns contatos importantes para a cena nacional de rock fora do eixo. Em todos os lugares a galera comentava sobre as bandas como Madame Saatan, que também arrebentou no primeiro dia.


Domingo (20)


No domingo também foi duro de sair da cama, mas meio-dia já estava em movimento para não perder o esperado almoço (rs). De lá fomos pra o Museu da Imagem e do Som de Cuiabá para conversar-mos sobre o Circuito Fora do Eixo, discussão essa que se mostrou muito produtiva, pois pude trocar idéia e contatos com a galera do Norte, tipo o pessoal da Banda Los Porongas(AC) que também é da organização do Festival Varadouros. Falei com o pessoal da Banda Coveiros (RO), que se apresentou no primeiro dia e com várias figuras pontuais das cenas regional e nacional.

Acredito que esta construção da cena alternativa não deve, de forma alguma, se centrar em regiões, mas vejo o fortalecimento da interação de estados próximos como um passo a ser dado rumo a uma melhor integração nacional. Daí a minha preocupação em trocar idéia com os amigos da região. Maiores informações podem ser adquiridas com o pessoal do Espaço Cubo.

A discussão durou um pouco mais tarde do que deveria, isso fez com que eu chegasse na hora de ver Unknown Project (SP), banda que também explora bem o vocal e as dirtorções. Depois veio Lucy and the Popsonics (DF), que mostraram um estilo de rock que eu chamaria de Circus Music pelo performance de palco bastante envolvente. Esses têm futuro e a Fernanda é uma gracinha.

Um dos pontos fortes da noite veio do Paraná. Trilobita mandou ver. Realmente não dá pra não se empolgar com a mistura eletrônica regida ao som de Guitarra Synth (Mizão) e do curioso instrumento Theremim operado por Dino, que também faz o som programado. Obrigado por terem criado mais uma banda legal galera.
Uma apresentação que esperava muito era a da banda Caximir (MT), pois já tinha boas referências dela. Tive a oportunidade de escutar o vol. 2 e gostei bastante. Eles mostraram que tem um publico fiel em Mato Grosso e a performance de palco é muito interessante.

Outra banda do Norte que mandou muito foi La Pupuña (PA), todo mundo se impressionou. O som deles recebe misturas da região e algum peso na batida, mas isso não cobre o espaço dos tradicionais solos de carimbó que realmente ficaram muito bons. Escutei algumas pessoas dizendo que foi e melhor apresentação do festival.

A noite e o Festival foram fechados com grande estilo, Graforréia Xilarmônica (RS) é uma banda que é um marco para a geração independente atual. O Joca da Pelebroi Não Sei (PR) me falou logo quando chegamos que aquele era um momento muito especial, pois o trabalho da banda deles era inspiradíssimo no da lendária Graforréia. Percebi na hora da apresentação, que foi foda, os olhares e entusiasmos do público e de boa parte das bandas que tocaram no festival. Parecia mesmo uma classe com professores falando na frente. Frank Jorge (Baixo) também trabalhou junto com Flavio Basso (Júpiter Maçã) nos anos 80 em projetos como Cascavelletes. Ao todo são mais de vinte anos de estrada independente, é mole?


Retorno


Depois de tudo voltamos para o hotel em um ônibus onde pude constatar que o batera do Ludovic realmente não é normal (existe algum normal na banda? rs). O cara não se aquieta. Acordei em minha cama, conversei com os amigos tão ou mais ressacados que eu. Uma cena que não me esqueço foi a que o Victor da Revista Decibélica com uma Marmiterx na hora do almoço da segunda feira. Ele comia e reclamava "ai meu Deus, já tô ficando preocupado. Essa marmita já tá na metade e a fome não passa!" hauhauha.

Me despedi da galera e parti na jornada de retorno às três da tarde juntamente com o pessoal do Madame Saatan, chegando na rodoviária de Goiânia pudemos contar com a ótima hopitalidade da galera da Revista Decibélica.

Descobri por que o Victor é tão louco por comida: o pai dele tem um restaurante lá que serve um ótimo rango (o piquí não falta, é claro). A oferta da casa foi boa. Eu ia ficar lá por mais tempo pra jogar RPG e vídeo-game e conhecer um pouco mais da cidade, mas não deu. Na verdade, o Beto já estava começando a perder feio de mim no KOF (que vergonha rs). Fica pra próxima. O importante é que abrimos contato e conhecemos o Estúdio da Monstro, que, a exemplo da cena alternativa em Goiânia, vem crescendo de forma muito empolgante fora do Eixo. Exemplo disso é o Festival Goiânia Noise. A Celulose fez sucesso hein Gustavo?

Cheguei em Belém junto com o pessoal do Madame. Foi muito produtivo mantermos a relação de horas de ônibus (Transbrasiliana hauhauha) e pude confirmar, apesar de ter perdido o show deles em Cuiabá, que eles são uma banda foda e que já tem ótimas referências nacionais. Material de qualidade para qualquer estúdio. Já andaram tocando aqui em Macapá, mas não deu para assistir.

Por fim descansei mais uns dias em Belém, peguei o vôo pra Macapá e socializei o material com o pessoal daqui. A jornada foi grande, e eu não podia deixar de dar um retorno para a cena na minha cidade. Acredito que o advento da internet e iniciativas como a Tramavirtual e o Overmundo encurtam as nossas distâncias e fazem com que nossas diferenças culturais sejam menos impactantes. Espero que em breve possamos fazer um sistema de festivais que aglutine bandas de todos os Estados do Brasil para que a cena não gire em torno apenas dos lugares onde existe um mercado mais acentuado e sim que se considere a qualidade de cada produção e as características culturais do rock em cada Estado.

Também é importante aos festivais que já têm alguma estrutura a preocupação com os espaços onde os mesmos não são tão bem estruturados. A organização do Calango está de parabéns por ter tido a iniciativa de me convidar, apesar de não fazer parte de banda e sim atuar como jornalista e militante pela cena alternativa onde o isolamento é mais evidente. Esta cultura tem que ser mantida para que o convite não se estenda apenas a jornalistas que já estão dentro dos eixos e que trabalham em grandes veículos de comunicação. É claro que é importante que os organizadores se preocupem com a divulgação de "seus" festivais, mas a preocupação pelo fomento e a retirada de preconceitos deve ser uma constante para o fortalecimento de nossa cena alternativa regional e nacional. Também para que não sigam exemplos de atividades de Estados vizinhos que não têm essa visão, apesar de terem seus méritos e também passarem por etapas iniciais onde a experiência ainda está sendo adquirida.

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