domingo, agosto 30, 2009

Princesa Encantada

Ná Ozzetti

Um rapaz lá do meu bairro
Diz que é adivinhador
Está querendo saber
Onde mora o meu amor

Adivinhar o meu segredo
Não é fácil, não senhor
Meu viver é comparado
Com a vida de um beija-flor

Meu amor não mora aqui
Há tempos que ela mudou
É uma princesa encantada
Ela mesma se encantou

Dentro de um botão de rosa
Muito tempo ela morou
Nasceu de um pingo d'água
Que a noite serenou

Se tiver festa por lá
Me chame que eu também vou
Pra cantar modinhas novas
Para mostrar quem eu sou

Toadinhas delicadas
Foi meu bem quem me ensinou
Modas de versos dobrados
Que ninguém nunca cantou

Quando eu pego na viola
Num pinho bem chorador
Canto e dou a explicação
Que já cantei todo o interior

Adivinhar o meu segredo
Ninguém é merecedor
Todo mundo me conhece
Mas não sabem o meu valor

quarta-feira, agosto 26, 2009

Clarice

Olá amiguinho. Você está sumido mesmo, hein? Mas nessa semana eu vi você sentado naquela cadeira esperando o espetáculo começar. Percebi seu olhar de admiração quando ela entrou. Quando ela rolava no palco e declamava palavras daquela escritora famosa. Não tinha como não se atrair. Como não ser envolvido por aquilo. Escutei quando você comentou que gostaria de conversar ou ao menos dar os parabéns a ela, mas você desistiu muito depressa. Você preferiu ir embora e deixar quieto.


Eu também estava lá no outro dia, quando você olhou pra trás e a viu. Estava como platéia. Dessa vez você teve muita sorte, já que na saída ela veio em sua direção e perguntou se você poderia mostrar alguns lugares onde pudessem conversar e comer alguma coisa. Imagine, com centenas de pessoas ali e ela faz isso. Foi muito bom. Trocar informações com ela era melhor ainda que escutá-la declamar as poesias de que gosta. Melhor ainda quando descobriu seu gosto pela música. Estava na mesa ao lado quando ela meteu a mão na bolsa e te presenteou. Deu pra ver no decorrer da história que as coisas não poderiam ser melhores. Tanto quanto aquele abraço ao deixá-la no taxi.

Você foi pra casa e escutou suas musicas com atenção. Ficou o dia todo pensando no encontro marcado para aquela noite, mas é claro que você sabia dos limites disso tudo. Eram apenas alguns dias. Dois ou três pra falar a verdade. Você já aprendeu a ter muito cuidado com as paixões. No início é incontrolável, só que pode te jogar no chão. Por isso você não a acompanhou na hora de entrar. Ela entortou a boca mostrando que esperava que entrasse com ela. No intervalo ela foi lá fora te chamar. Não havia mais dúvidas de que um queria ficar com o outro. Os poros dela se aguçavam quando você se aproximava. Não tinha como dizer não.


Na saída o receio volta a entrar em sua cabeça. Era muito arriscado de tão atraente que era. Você procura se isolar, mas ela veio ao seu encontro para se despedir das pessoas. Ela ia embora no outro dia. Era sua derradeira noite nessa cidade e por isso ela fez um convite para sair com ela. Você hesitou alguns segundo e ela falou “você quem sabe”. Deu as costas e foi embora. Entrou no carro e depois que as portas se fecharam percebeu que era tarde demais para se arrepender. Quem da sua idade recusaria um convite para ouvir mais aquele modo de falar e de estar perto daquela forma que dispensa qualquer comentário? Você recusou.

Bastou alguns segundos após o carro ter dobrado a esquina para você recomeçar a se culpar. Chama a si mesmo de covarde e burro. Foi para casa perturbado. Não ia conseguir dormir. Então saiu novamente. Eu estava na esquina quando vi você indo em direção ao hotel onde ela estava hospedada. Não estava. A única coisa que pôde fazer foi deixar seu numero de telefone na portaria. Então, já conformado, você reiniciou seu caminho de volta pra casa. Depois disso, ao pensar na fração de segundos que dividem aceitar ou não um convite e da linha tênue entre o acerto e o arrependimento, você a vê dentro de uma lanchonete. Ainda bem que você a encontrou. Caso contrário não teria se despedido da forma que pôde perfeitamente ser feito. Breve e intenso como uma peça de teatro. Agradável como as melhores músicas. Mais envolvente que um conto de qualquer gênio da literatura... e de verdade.